Lô Borges, um dos fundadores do Clube da Esquina e autor de algumas das melodias mais emblemáticas da MPB, morreu neste domingo (2), em Belo Horizonte, aos 73 anos. A causa da morte foi falência múltipla de órgãos, após semanas internado na UTI devido a uma intoxicação medicamentosa.
A notícia deixa um silêncio carregado de acordes na música brasileira — daqueles que só os grandes mestres conseguem causar. Com Lô, vai embora não só uma voz, mas uma sensibilidade que moldou gerações.
O garoto da esquina que virou lenda
Nascido no tradicional bairro de Santa Tereza, em BH, Salomão Borges Filho cresceu cercado por música e poesia. Mas foi no Centro da capital mineira, nos degraus de um prédio da Av. Amazonas, que sua vida mudou para sempre: aos 10 anos, conheceu um jovem de 20, que tocava violão na escada — era Milton Nascimento. Esse encontro deu início a uma amizade e uma parceria que mudariam os rumos da música nacional.
Pouco tempo depois, conheceu outro parceiro essencial: Beto Guedes, abordado por Lô por causa de uma patinete. Esses encontros ao acaso foram o embrião do Clube da Esquina — movimento musical nascido das esquinas de Belo Horizonte e da amizade improvável entre músicos com formações e visões distintas.
O nascimento de um marco: Clube da Esquina
Em 1972, o disco Clube da Esquina chegava às lojas e mudava tudo. Um álbum que misturava rock progressivo, jazz, bossa nova, psicodelia e música latino-americana com a melancolia e os sonhos da juventude mineira. A parceria entre Lô Borges e Milton Nascimento virou história: o disco foi eleito o maior álbum da música brasileira por críticos e revistas especializadas, além de figurar entre os maiores do mundo.
Na mesma época, Lô lançou seu icônico álbum solo, conhecido como Disco do Tênis, que se tornaria cultuado por músicos e colecionadores ao redor do planeta.
Um girassol da cor da sua genialidade
Ao longo das décadas, Lô Borges nos presenteou com canções eternas como:
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“Um Girassol da Cor do Seu Cabelo”
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“O Trem Azul”
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“Paisagem da Janela”
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“Clube da Esquina nº 2”
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E mais recentemente, a delicada “Dois Rios”, em parceria com Samuel Rosa, nos anos 1990.
Mesmo nos últimos anos, Lô seguiu produzindo com fôlego criativo admirável. Desde 2019, lançou um álbum de inéditas por ano. O último, Céu de Giz, em colaboração com Zeca Baleiro, saiu em agosto de 2025 — três meses antes de sua partida.
Entre pausas e renascimentos
Após o estouro do Clube da Esquina, Lô Borges optou pelo silêncio — uma pausa longe dos palcos, mas nunca da música. Em Arembepe, Bahia, viveu com o violão como companhia, escrevendo, refletindo, maturando canções.
Voltou em 1978 com o álbum Via Láctea, considerado por ele um de seus melhores trabalhos. Em 1984, rodou o Brasil com a turnê de Sonho Real. E nos anos 2000, viu uma nova geração redescobrir sua obra com reverência.
Uma perda imensurável
Lô Borges partiu deixando um legado que desafia rótulos. Não era apenas um compositor, guitarrista ou cantor. Era um arquiteto de paisagens sonoras, um poeta do cotidiano, um alquimista de acordes e afetos.
O Clube da Esquina foi muito mais que um disco ou movimento: foi uma filosofia de criação, e Lô era sua alma jovem e inquieta.
Seu silêncio agora ecoa nas janelas de quem cresceu ouvindo sua voz, nas esquinas onde a música virou refúgio, e nos corações de todos que reconheceram, em suas canções, um pedaço da própria vida.

