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Sandrão quer processar Prime Video: o surrealismo jurídico brasileiro

O Brasil conseguiu mais uma façanha para o seu vasto museu de absurdos contemporâneos: Sandra Regina Ruiz Gomes, a ex-detenta conhecida como Sandrão, está processando a Amazon por R$ 3 milhões.
O motivo? A série Tremembé — sucesso do Prime Video — teria “mentido sobre sua história” e “ferido sua honra”.

Sim, você leu certo: uma mulher condenada por sequestro e assassinato de um adolescente quer ser indenizada porque sua imagem de criminosa foi manchada.


“Excessos na liberdade de expressão”, segundo a ex-detenta

Sandrão alega que foi retratada como mentora intelectual do crime e que nunca entregou uma arma a um menor de idade, como aparece em uma das cenas.
Em sua defesa, diz que só fez ligações de resgate porque foi coagida — argumento que, se fosse série, estaria na categoria “ficção fantástica”.

Mas a parte mais genial é a acusação de “excessos na liberdade de expressão”.
No país onde político preso dá palestra sobre ética e influencer investigado por estelionato ensina “mentalidade milionária”, é coerente que uma condenada reivindique o direito de ser uma vilã mais… simpática.


O Brasil é um roteiro pronto

Há algo de quase poético nisso tudo.
Uma série de true crime que tenta retratar a mente criminosa de presidiárias — e termina sendo processada por uma das próprias presas retratadas.
É como se Narcos tivesse sido processada por Pablo Escobar por “exposição indevida da imagem do meu império”.

E o mais incrível: o processo existe de verdade, protocolado na 1ª Vara Cível de Mogi das Cruzes.
Nada de ficção. Só o Brasil sendo o Brasil — o país onde o crime e o entretenimento se misturam até você esquecer qual é qual.


Justiça, espetáculo e ego

No fundo, a ação de Sandrão não é sobre verdade ou mentira. É sobre controle narrativo — o novo capital da era digital.
Quem domina a narrativa ganha poder, ganha audiência e, com sorte, ganha um Pix milionário.
E, convenhamos, R$ 3 milhões é um valor simbólico: é o preço de tentar editar o próprio passado em 4K.

Enquanto isso, a Amazon se defende com base em “liberdade artística”, o mesmo argumento que protege roteiristas de inventarem aliens, vilões e políticos honestos.


Tremembé, a série que virou reality

Tremembé prometia ser uma análise da psicologia criminal brasileira, mas acabou virando um spin-off do próprio sistema judiciário.
A série retrata Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga, Anna Jatobá e os irmãos Cravinhos. Agora, ganha um novo episódio: “Sandrão vs. Jeff Bezos”.
Nem a roteirista Vera Egito teria coragem de escrever algo tão improvável.

sandrão gugu


O crime, o show e o tribunal

Há uma simetria perversa nisso tudo:

  • o crime vira entretenimento;

  • o entretenimento vira processo;

  • e o processo vira notícia, que, claro, volta a alimentar o ciclo do entretenimento.

O Brasil virou uma série de true crime que se escreve sozinha, com roteiro colaborativo entre juízes, advogados e produtores de streaming.
E cada temporada parece pior que a anterior.


Moral da história (se é que há uma)

Sandrão quer limpar o nome na Justiça depois de sujar a biografia no noticiário.
A Amazon quer se defender, o público quer maratonar, e o sistema jurídico quer o que ele sempre quis: relevância midiática e custas processuais.

No fim, talvez a única verdade absoluta seja esta:
No Brasil, até a prisão é um palco, e até o arrependimento tem assessoria de imprensa.