dinheiro esquecido nos bancos
Dinheiro, Real Moeda brasileira

Crônica: O Brasil quer seu troco — até do passado

Ah, o Brasil. Esse país que não consegue cobrar os grandes devedores da União, mas que nunca esquece o CPF do pobre que recebeu R$ 600 pra não morrer de fome em 2020.

A notícia da vez: 177 mil famílias terão que devolver o Auxílio Emergencial recebido “indevidamente” durante a pandemia. Valor total? Quase R$ 478,8 milhões. É tanto dinheiro que daria pra pagar umas duas viagens internacionais de deputado com diária estendida e hotel cinco estrelas.

Mas, claro, o problema não é o superfaturamento, o desvio bilionário ou o calote corporativo. É aquela dona Maria que, em 2020, teve o contrato suspenso e o governo não sabia se ela estava empregada ou não — e agora vai receber um SMS dizendo que deve à União. Porque no Brasil, o pobre é o único que não pode errar nem quando o mundo está acabando.

E o mais surreal: o governo avisa que a devolução pode ser feita via Pix, cartão de crédito ou boleto. Sim, é isso mesmo. Você sobreviveu a uma pandemia, perdeu emprego, e agora pode parcelar sua dívida com o governo — sem juros, claro, porque o Brasil é generoso quando o valor é pequeno.

Enquanto isso, as megacorporações que deixaram de pagar bilhões em impostos continuam firmes, recebendo incentivos e, às vezes, até medalhas de “mérito empresarial”.

Mas calma: o ministério garante que quem é realmente vulnerável não será cobrado. O problema é que, no Brasil, a definição de “vulnerável” muda conforme o humor da planilha. Se você comeu carne no último trimestre, corre o risco de estar “acima da renda mínima”.

E o melhor de tudo: o sistema pra devolver o auxílio se chama Vejae. É quase um deboche linguístico — “veja aí” se você deve alguma coisa pro governo. O cidadão entra no site, confuso, clicando entre mil abas, pra descobrir que está devendo um valor que o próprio sistema aprovou quatro anos atrás.

Em um país em que os bancos recebem bilhões em perdão de dívida e ex-ministros ganham cargos em estatais, é poético ver o governo notificando gente que gastou o auxílio pra comprar gás de cozinha.

No fim das contas, o Brasil continua o mesmo: os ricos sonegam, os médios reclamam e os pobres parcelam.

E a Dona Maria, que sobreviveu à Covid, ao desemprego e à inflação, agora tem mais um desafio: explicar pro Tesouro Nacional que ela não ficou rica com R$ 600 em 2020 — só sobreviveu. E isso, pelo visto, já é imperdoável.